La ruta comercial que ayudará a Rusia (y a otro país) a esquivar las sanciones de la Unión Europea
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
É uma constante da História : as mudanças são raras, mas súbitas. Aqueles que sofrem as consequências são geralmente os últimos a vê-las a chegar. Só as percebem tarde mais. Contrariamente à imagem estática que reina no Ocidente, as relações internacionais foram alteradas em 2022, principalmente em detrimento dos Estados Unidos, do Reino Unido e da França, muitas vezes em proveito da China e da Rússia. Com os olhos fixos na Ucrânia, os Ocidentais não são capazes de ver a redistribuição das cartas.
Éraro que as relações internacionais sejam tão viradas do avesso como foram em 2022. E isto não acabou. O processo que se iniciou não vai parar, mesmo que alguns acontecimentos o venham perturbar e até eventualmente interromper por alguns anos. A dominação do Ocidente, ou seja, tanto dos Estados Unidos como das antigas potências coloniais europeias (principalmente o Reino Unido, a França e a Espanha) e asiática ( o Japão), chega ao seu fim. Já ninguém obedece a uma chefia, incluíndo os Estados que permanecem vassalos de Washington. Todos começam agora a pensar por si próprios. Não estamos ainda no mundo multipolar que a Rússia e a China tentam fazer emergir, mas já o vemos a ser erguido.
Tudo começou com a operação militar russa para fazer cumprir a Resolução 2202 do Conselho de Segurança e proteger a população ucraniana, no seu todo, do seu governo « nacionalista integralista ». Claro, este acontecimento não é, de forma alguma, o que é percebido nos Estados Unidos, na União Europeia, na Austrália e no Japão. Os Ocidentais estão convencidos que a Rússia invadiu a Ucrânia para mudar as fronteiras pela força. Ora, isso não foi nem o que o Presidente Vladimir Putin anunciou, nem o que o Exército russo fez, nem a maneira como os acontecimentos se desenrolaram.
Deixemos de lado a questão de saber quem está certo e quem está errado. Tudo depende de se saber se estamos conscientes da guerra civil que dilacerava a Ucrânia desde a deposição do seu Presidente democraticamente eleito, Viktor Yanukovych, em 2014. Os Ocidentais ao esquecer os 20. 000 mortos dessa guerra não podem aceitar que os Russos tenham querido parar este massacre. Como desconhecem os Acordos de Minsk, pelos quais, portanto, a Alemanha e a França se tinham constituído como garantes ao lado da Rússia, não podem aceitar que a Rússia tenha posto em prática a « responsabilidade de proteger » que as Nações Unidas proclamaram em 2005.
Ora a antiga Chancelerina alemã, Angela Merkel [1], e o antigo Presidente francês, François Hollande [2], afirmaram ambos publicamente que haviam assinado os Acordos de Minsk, não para por fim à guerra civil, mas, pelo contrário, para ganhar tempo e armar a Ucrânia. Estas duas personalidades gabam-se de ter armadilhado a Rússia ao mesmo tempo que a acusam de ter a exclusiva responsabilidade pela guerra actual. Não é de surpreender que estes dois antigos governantes se orgulhem da sua duplicidade perante as suas opiniões públicas, todavia as suas declarações quando escutadas em outras partes do mundo soam de modo diferente. Para a maioria da Humanidade, os Ocidentais mostram-se como realmente são : tentam sempre dividir o resto do mundo e armadilhar aqueles que querem ser independentes; falam de paz, mas fomentam guerras.
É errado imaginar que o mais forte quer sempre impor a sua vontade aos outros. Esta atitude ocidental raramente é partilhada pelos outros seres humanos. A cooperação provou o seu valor mais do que a exploração e as revoluções que ela suscita. É a mensagem que os Chineses tentaram propagar, evocando para isso relações « ganhador-ganhador ». Não se tratava para eles de falar de relações comerciais justas, mas de fazer referência à forma como governavam os imperadores da China : quando um imperador promulgava um decreto, devia velar para que tal fosse seguido pelos governadores de cada província, inclusive por aqueles que não eram destinatários dessa decisão. Ele mostrava-lhes que não os havia esquecido, oferecendo a cada um um presente.
Em dez meses, o resto do mundo, quer dizer, a sua esmagadora maioria, abriu os olhos. Se, em 13 de Outubro, havia 143 Estados a seguir a narrativa ocidental e a condenar a « agressão » russa [3], já não mais seriam a maioria a votar assim hoje na Assembleia Geral das Nações Unidas. A votação, em 30 de Dezembro, de uma Resolução pedindo ao tribunal interno da ONU, O Tribunal (Corte-br) Internacional de Justiça, para declarar a ocupação dos Territórios Palestinianos por Israel como uma « ocupação » é a prova disso. A Assembleia Geral já não se resigna diante da desordem ocidental do mundo.
Até agora na órbita da França, 11 Estados africanos fizeram apelo ao Exército russo ou a uma empresa militar privada russa para garantir a sua segurança. Eles não acreditam mais na sinceridade da França e dos Estados Unidos. Outros ainda estão cientes que a protecção ocidental contra os jiadistas anda de mãos dadas com o apoio oculto dos Ocidentais aos mesmos jiadistas. Eles inquietam-se publicamente com a transferência maciça de armas destinadas à Ucrânia para os jiadistas do Sahel ou para o Boko Haram [4], a ponto do Departamento de Defesa dos EUA designar uma missão de acompanhamento para verificar o que acontece com as armas destinadas à Ucrânia; uma maneira como outra qualquer de enterrar o problema e prevenir uma imiscuição do Congresso nestas manigâncias obscuras.
No Médio-Oriente, a Turquia, membro da OTAN, joga um jogo subtil a meio caminho entre o seu aliado EUA e o seu parceiro Russo. Ancara compreendeu há muito que nunca integraria a União Europeia e, mais recentemente, que não era bem vista tentando restaurar o seu império sobre os Árabes. Virou-se então para os Estados europeus (como os Búlgaros, os Húngaros e os Kosovares) e asiáticos (como o Azerbaijão, o Turcomenistão, o Usbequistão, o Cazaquistão e o Quirguistão) de cultura turca (e não de língua turca como os Uígures chineses). De repente, Ancara reconcilia-se com Damasco e se prepara para deixar o Ocidente pelo Oriente.
A chegada da China ao Golfo, por ocasião da Cimeira (cúpula-br) de Riade, virou o jogo nessa região do mundo. Os Estados árabes viram que Pequim era razoável, que os ajudava a fazer a paz com seus vizinhos persas. Ora, o Irão é um aliado milenar da China, mas esta defende-o sem o deixar transbordar os seus excessos. Eles avaliaram a diferença para os Ocidentais que, ao contrário, não cessaram desde 1979 de os dividir e de os opor uns aos outros.
A Índia e o Irão trabalham no duro com a Rússia para edificar um corredor de transporte que lhes permita comerciar apesar da guerra económica ocidental (apresentada no Ocidente como « sanções », muito embora elas sejam ilegais face ao Direito Internacional). Desde logo Mumbai está ligada ao sul da Rússia e em breve a Moscovo (Moscou-br) e a São Petersburgo. Isso torna a Rússia e a China complementares. Pequim constrói na Euroásia rotas de Leste a Oeste, Moscovo segundo as longitudes.
A China, para quem esta guerra é uma catástrofe que perturba os seus planos de construção das Rotas da Seda, jamais acreditou na narrativa ocidental. Ela é uma velha vítima da Rússia que, no século XIX, participou na ocupação de Tianjin e de Wuhan (Hankou), mas ela também sabe que os Ocidentais tudo farão para explorar as duas. Ela rememora a sua ocupação anterior para estar ciente que o seu destino está ligado ao da Rússia. Ela não compreende muitos dos problemas ucranianos, mas sabe que a sua visão da organização das relações internacionais só pode ver a luz do dia se a Rússia triunfar. Ora, ela não tem nenhuma vontade de se bater ao lado da Rússia, mas intervirá se esta for ameaçada.
Esta reorientação do mundo é muito visível nas instituições governamentais. Os Ocidentais humilharam a Rússia no Conselho da Europa até que Moscovo o deixou. Para sua grande surpresa, a Rússia não para por aí. Ela deixa um a um todos os acordos concluídos no Conselho da Europa, em todo o tipo de domínios, do Desporto à Cultura. Os Ocidentais constatam de repente que se privaram de um parceiro generoso e culto.
Isso deverá prosseguir em todas as outras organizações intergovernamentais, a começar pelas Nações Unidas. É a velha história das relações ocidento-russas que remonta à exclusão de Moscovo da Sociedade das Nações, em 1939. À época, os Soviéticos inquietos por um possível ataque nazi contra Leningrado (São Petersburgo) pediram à Finlândia para alugar o porto de Hanko, no entanto, tendo as negociações se arrastado no tempo, invadiram a Finlândia, não para a anexar, mas para colocar a sua marinha em Hanko. Este precedente é hoje mostrado como um exemplo do imperialismo russo quando o próprio Presidente finlandês Urho Kekkonen reconheceu que a atitude dos Soviéticos fora « compreensível ».
Voltemos às Nações Unidas. Excluir a Rússia só poderá ser possível após ter feito adoptar uma reforma da Carta pela Assembleia Geral. Era possível em Outubro, mas já não o é mais hoje em dia. Este projecto acompanha-se de uma reinterpretação da história e da natureza da ONU.
Garantem que aderir à Organização interdita a guerra. É absurdo. Aderir à ONU obriga a « manter a paz e a segurança internacionais », mas sendo os homens o que são, autoriza a fazer uso da força em certas condições. Às vezes, esta autorização torna-se até uma obrigação em virtude da « responsabilidade de proteger ». É isso exactamente o que faz a Rússia pelas populações de Donbass e da Novorussia. Note-se bem que Moscovo não é cega e recuou no que diz respeito à margem direita (parte Norte) da cidade de Kershon. O Estado-Maior russo retirou-se para trás de uma fronteira natural, o rio Dnieper, considerando impossível defender a outra parte da cidade face aos Exércitos ocidentais e isso quando a população de toda a cidade havia pedido por referendo a adesão à Federação da Rússia. Jamais houve qualquer derrota russa em Kherson, mas isso não impede os Ocidentais de falar na sua « reconquista » pelo regime de Zelensky.
Acima de tudo, obscurece-se o funcionamento da ONU ao por em causa o directório do Conselho de Segurança. Quando a Organização foi fundada, tratava-se de reconhecer a igualdade de todos os Estados no seio da Assembleia Geral e de dar às grandes potências da época a capacidade de prevenir conflitos no seio do Conselho de Segurança. Este não é o lugar da democracia, mas do consenso : nenhuma decisão pode ali ser tomada sem o acordo de cada um dos seus cinco membros permanentes. Finge-se espanto de não poder aí condenar a Rússia, mas alguém se espantou por não se ter condenado lá os Estados Unidos, o Reino Unido e, por vezes, a França pelas suas guerras ilegais no Kosovo, no Afeganistão, no Iraque e na Líbia? Sem o direito de veto, a ONU irá tornar-se uma assembleia absolutamente ineficaz. No entanto, esta ideia ganha terreno no Ocidente.
Além disso, seria absurdo pensar que a China, a primeira potência comercial mundial, permanecerá numa ONU da qual a Rússia, a primeira potência militar mundial, tivesse sido excluída. Pequim não dará caução a uma operação contra o seu aliado, pois está persuadida que a morte desta será o prelúdio da sua própria. É por isso que os Russos e os Chineses preparam outras instituições que só irão apresentar se a ONU for desnaturada, se ela se transformar numa assembleia monocromática e perder assim sua capacidade de prevenir conflitos.
Percebemos que a única saída possível é que os Ocidentais aceitem ser apenas aquilo que são. Mas, de momento, não são capazes disso. Eles deformam a realidade esperando assim manter os seus séculos de hegemonia. Este jogo terminou tanto porque eles estão fatigados, como, sobretudo, porque o resto do mundo se transformou.
O consenso entre os futuros historiadores será inevitável: a década de 2020 começou com um assassinato diabólico.
Aeroporto de Bagdá, 3 de janeiro de 2020, 00h52, horário local. O assassinato do general Qassem Soleimani, comandante da Força Quds do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (IRGC), ao lado de Abu Mahdi al-Muhandis, vice-comandante do Hashd al-Sha'abi do Iraque, por mísseis guiados a laser AGM-114 Hellfire lançados de dois drones MQ-9 Reaper, foi, de fato, assassinato como um ato de guerra.
Esse ato de guerra deu o tom para a nova década e inspirou meu livro Raging Twenties: Great Power Politics Meets Techno-Feudalism , publicado no início de 2021.
Os ataques com drones no aeroporto de Bagdá, aprovados diretamente pelo artista pop/empresário que então governava o Hegemon, Donald Trump, constituíram um ato imperial arquitetado como uma provocação gritante, capaz de gerar uma reação iraniana que seria então combatida por “autodefesa”. ”, embalado como “dissuasão”.
A barragem narrativa proverbial atingiu a saturação, considerando-a um “assassinato direcionado”: uma operação preventiva esmagando o suposto planejamento do general Soleimani de “ataques iminentes” contra diplomatas e tropas dos EUA. Nenhuma evidência foi fornecida para apoiar a alegação.
Todos, não apenas ao longo do Eixo de Resistência – Teerã, Bagdá, Damasco, Hezbollah – mas em todo o Sul Global, sabiam como o general Soleimani liderou a luta contra o Daesh no Iraque de 2014 a 2015 e como ele foi fundamental na retomada Tikrit em 2015.
Este era o seu verdadeiro papel – um verdadeiro guerreiro da guerra contra o terror, não da guerra do terror. Para o Império, admitir que sua aura brilhava mesmo em terras – vassalas – do Islã sunita era um anátema.
Coube ao então primeiro-ministro iraquiano, Adil Abdul-Mahdi, diante do Parlamento em Bagdá, oferecer o contexto definitivo: o general Soleimani, em missão diplomática, havia embarcado em um voo regular Cham Wings Airbus A320 de Damasco para Bagdá. Ele esteve envolvido em negociações complexas entre Teerã e Riad, tendo o primeiro-ministro iraquiano como mediador, e tudo isso a pedido do presidente Trump.
Assim, a máquina imperial - seguindo a marca registrada, a zombaria de décadas do direito internacional - assassinou um enviado diplomático de fato.
Na verdade, dois, porque al-Muhandis exibiu as mesmas qualidades de liderança do general Soleimani, promovendo ativamente a sinergia entre o campo de batalha e a diplomacia, e foi considerado absolutamente insubstituível como um articulador político chave no Iraque.
O assassinato do general Soleimani foi “encorajado” desde 2007 por uma mistura tóxica de neocons straussianos e neoliberais-cons – extremamente ignorantes da história, cultura e política do sudoeste da Ásia – em conjunto com os lobbies israelenses e sauditas em Washington.
Trump, felizmente ignorante de relações internacionais e assuntos de política externa, não poderia entender o Grande Quadro e suas terríveis ramificações quando ele tinha apenas os primeiros israelenses do tipo Jared “da Arábia” Kushner sussurrando em seu ouvido.
O rei agora está nu
Mas então tudo foi por água abaixo.
A resposta direta de Teerã ao assassinato do general Soleimani, de fato bastante contida considerando as circunstâncias, foi cuidadosamente medida para não desencadear uma “dissuasão” imperial desenfreada.
Ele assumiu a forma de uma série de ataques com mísseis de precisão na base aérea de Ain al-Assad, controlada pelos americanos, no Iraque. O Pentágono, crucialmente, recebeu um aviso prévio.
E foi precisamente essa resposta medida que acabou mudando o jogo.
A mensagem de Teerã deixou graficamente claro – para todo o Sul Global ver – que os dias de impunidade imperial haviam acabado.
Qualquer excepcionalista com um cérebro funcional não deixaria de entender a mensagem: podemos atingir seus ativos em qualquer lugar do Golfo Pérsico - e além, no momento de nossa escolha.
Portanto, esta foi a primeira instância em que o Gen Soleimani, mesmo depois de deixar seu invólucro mortal, contribuiu para o nascimento do mundo multipolar.
Esses ataques com mísseis de precisão na base de Ain al-Assad contaram a história de uma potência de nível médio, enfraquecida por décadas de sanções e enfrentando uma enorme crise econômico-financeira, respondendo a um ataque unilateral visando ativos imperiais que fazem parte do extenso império de mais de 800 bases.
Historicamente, essa foi a primeira vez global – algo inédito desde o final da Segunda Guerra Mundial.
E isso foi claramente interpretado em todo o sudoeste da Ásia – bem como em vastas áreas do Sul Global – pelo que era: o rei agora está nu.
Examinando o tabuleiro de xadrez em movimento
Três anos após o assassinato real, podemos agora ver várias outras instâncias do general Soleimani abrindo caminho para a multipolaridade.
Houve uma mudança de regime no Hegemon – com o trumpismo sendo substituído por uma cabala tóxica neoliberal-con, infiltrada por neo-cons straussianos, controlando remotamente uma entidade belicista senil mal qualificada para ler um teleprompter.
A política externa dessa cabala acabou sendo extremamente paranóica, antagonizando não apenas a República Islâmica, mas também a parceria estratégica Rússia-China.
Esses três atores são os três principais vetores no processo contínuo de integração da Eurásia.
O Gen Soleimani pode ter previsto, antes de qualquer outro, exceto o líder da Revolução Islâmica, o aiatolá Seyyed Ali Khamenei, que o JCPOA – ou acordo nuclear com o Irã – estava definitivamente a dois metros de profundidade, como a farsa recente nos últimos meses em Viena deixou claro.
Assim, ele poderia ter previsto que, com uma nova administração sob o presidente Ebrahim-Raisi, Teerã finalmente abandonaria qualquer esperança de ser “aceito” pelo Ocidente coletivo e abraçaria de todo o coração seu destino eurasiano.
Anos antes do assassinato, o general Soleimani já previa uma “normalização” entre o regime israelense e as monarquias do Golfo Pérsico.
Ao mesmo tempo, ele também estava muito ciente da posição da Liga Árabe em 2002 – compartilhada, entre outros, por Iraque, Síria e Líbano: uma “normalização” não pode nem começar a ser discutida sem um Estado palestino independente – e viável – sob 1967 faz fronteira com Jerusalém Oriental como capital.
O general Soleimani viu o Grande Quadro em toda a Ásia Ocidental, do Cairo a Teerã e do Bósforo ao Bab-al-Mandeb. Ele certamente previu a inevitável “normalização” da Síria no mundo árabe – e mesmo com a Turquia, agora um trabalho em andamento.
Ele provavelmente imprimiu em seu cérebro a possível linha do tempo seguida pelo Império do Caos para abandonar completamente o Afeganistão - embora certamente não a extensão da retirada humilhante - e como isso reconfiguraria todas as apostas da Ásia Ocidental à Ásia Central.
O que ele certamente não sabia era que o Império deixou o Afeganistão para concentrar todas as suas apostas em Dividir para Governar/estratégia do caos na Ucrânia, em uma guerra letal contra a Rússia.
É fácil ver o general Soleimani prevendo Mohammad bin Zayed (MbZ) de Abu Dhabi, mentor de MbS, apostando simultaneamente em um acordo de livre comércio entre Israel e Emirados e uma distensão com o Irã.
Ele poderia ter feito parte da equipe diplomática quando o conselheiro de segurança de MbZ, Sheikh Tahnoon, se encontrou com o presidente Raisi em Teerã há mais de um ano, discutindo até mesmo a guerra no Iêmen.
Ele também poderia ter previsto o que aconteceu no último fim de semana em Brasília, à margem da dramática volta de Lula à presidência brasileira: autoridades sauditas e iranianas, em território neutro, discutindo uma possível détente.
Como todo o tabuleiro de xadrez em toda a Ásia Ocidental está sendo reconfigurado a uma velocidade vertiginosa, talvez o único desenvolvimento que Gen. Soleimani não teria previsto é o petro-yuan substituindo o petrodólar “no espaço de três a cinco anos”, como sugerido pelo presidente chinês Xi Jinping em sua recente cúpula histórica com o GCC.
Eu tenho um sonho
A profunda reverência ao general Soleimani expressa por todas as camadas da sociedade iraniana – desde a base até a liderança – certamente se traduziu em honrar o trabalho de sua vida ao encontrar o merecido lugar do Irã na multipolaridade.
O Irã está agora solidificado como um dos principais nós das Novas Rotas da Seda no sudoeste da Ásia. A parceria estratégica Irã-China, impulsionada pela adesão de Teerã à Organização de Cooperação de Xangai (SCO) em 2002, é tão forte geoeconômica e geopoliticamente quanto as parcerias interligadas com dois outros membros do BRICS, Rússia e Índia. Em 2023, o Irã deve se tornar membro do BRICS+.
Paralelamente, a tríade Irã/Rússia/China estará profundamente envolvida na reconstrução da Síria – completa com projetos BRI que vão desde a ferrovia Irã-Iraque-Síria-Mediterrâneo Oriental até, em um futuro próximo, o gás Irã-Iraque-Síria gasoduto, sem dúvida o fator chave que provocou a guerra por procuração americana contra Damasco.
Hoje, Soleimanii é reverenciado no santuário Imam Reza em Mashhad, na mesquita de al-Aqsa na Palestina, no deslumbrante Duomo barroco tardio em Ragusa, no sudeste da Sicília, em uma estupa no alto do Himalaia ou em um mural em uma rua de Caracas.
Por todo o Sul Global, há um sentimento no ar: o novo mundo que está nascendo – esperançosamente, mais igualitário e justo – foi de alguma forma sonhado pela vítima do assassinato que desencadeou os Raging Twenties.
O acordo nuclear com o Irã, oficialmente conhecido como Plano de Ação Conjunto Abrangente (JCPOA), está agora, para todos os efeitos práticos, morto. Assim como no lendário esboço do Papagaio Morto de Monty Python, esse acordo não existe mais. Ele foi ao encontro de seu criador. Este é um acordo anterior.
O agente funerário, significativamente, não era outro senão o personagem senil que atualmente personificava o “líder do mundo livre”.
Seu nome pode ser Joe Biden, mas “Biden” é na verdade uma combinação de fundo ditando cada linha do roteiro que o Crash Test Dummy em questão tenta entregar hesitantemente, imitando as palavras sussurradas em seu fone de ouvido ou lutando para ler um teleprompter .
Um novo vídeo, filmado no início de novembro, apareceu no início desta semana, onde “Biden” diz que o acordo com o JCPOA está morto. "Mas não vamos anunciá-lo. É uma longa história."
A longa história é. Quando estava relativamente menos senil, em sua campanha eleitoral há mais de dois anos, “Biden” prometeu que Washington voltaria ao JCPOA, que foi unilateralmente dilacerado por seu antecessor, Donald Trump, em 2018.
Depois de chegar à Casa Branca, “Biden” – na verdade seus manipuladores – nomeou Robert Malley como enviado especial ao Irã, encarregado de supervisionar todo o processo, incluindo as discussões para um renovado JCPOA.
Malley desempenhou o papel de spoiler com perfeição. A obsessão pelas sanções prevaleceu sobre qualquer tentativa séria de reviver o JCPOA.
Paralelamente, o que o ex-analista da CIA Ray McGovern definiu de forma memorável como MICIMATT – o complexo militar-industrial-inteligência do Congresso-mídia-academia-pensador – acelerou o jogo da culpa no Irã 24 horas por dia, 7 dias por semana, agora culpado por causa de uma “linha dura novo presidente” incapaz de um “diálogo construtivo com o Ocidente”.
O JCPOA original conquistado em Viena em 2015 – acompanhei a maior parte do processo ao vivo – foi muito conveniente na época para o então governo de Barack Obama, o chamado EU3 (França, Reino Unido e Alemanha) e até Rússia e China.
Obama acreditava que um acordo levaria Teerã a ser mais receptivo a Washington.
Agora o tabuleiro de xadrez geopolítico mudou completamente. A União Europeia mais os Brexiters foram reduzidos a uma satrapia descomunal do Império Americano.
A parceria estratégica Rússia-China é considerada pelos americanos como uma ameaça existencial. E o Irã, além disso, foi admitido como membro pleno da Organização de Cooperação de Xangai (SCO).
Portanto, não há nenhum incentivo para os straussianos/neocons e neoliberais que controlam a política externa de Washington para reviver o JCPOA.
A valsa dos sátrapas da UE
O JCPOA era essencialmente um clone do acordo de Minsk: o Império apenas ganhando tempo antes de apresentar novas travessuras. A própria ex-chanceler alemã Angela Merkel revelou, oficialmente, que Minsk não passava de uma gigantesca farsa.
Teerã, porém, nunca caiu na armadilha. O líder supremo aiatolá Seyyed Ali Khamenei, um estrategista geopolítico inteligente, percebeu desde o início: nunca confie nos americanos.
Ele sabia intuitivamente que quem sucedesse a Obama – Hawkish Hillary ou, por acaso, Trump – acabaria por não respeitar o que foi assinado e ratificado pelas Nações Unidas.
Quanto aos sátrapas europeus, eles nem mesmo fizeram um esforço para implementar o alívio das sanções contra o Irã por meio do mecanismo INSTEX depois que Trump rasgou o acordo.
O mantra tácito era manter o Irã reprimido. Era como se esse combo coletivo do Oeste estivesse apenas esperando pela próxima bonança da revolução colorida – que no final aconteceu, muito pouco, muito tarde, alguns meses atrás.
Se os manipuladores de “Biden” estivessem realmente interessados desde o início em reviver o JCPOA, o caminho direto teria sido abandonar as sanções e seguir em frente.
Em vez disso, o que aconteceu foi Malley e outros exigindo mais concessões e transformando o alívio das sanções em uma miragem. As negociações em Viena este ano chegaram a um beco sem saída.
Quando os países do E3 apresentaram um projeto de acordo apresentado aos negociadores iranianos em Viena, eles fizeram algumas mudanças “razoáveis” (terminologia da UE) e enviaram o pacote de volta aos europeus, que o submeteram aos americanos.
As mudanças foram consideradas “não construtivas”. Beco sem saída – tudo de novo.
Então a “pressão máxima”, aquela coisa de Trump, mas um pouco menos contundente, continuou a ditar os procedimentos sob os manipuladores de “Biden”. No entanto, Teerã não desistiu e diplomaticamente sempre insistiu que estava pronto para um acordo.
O próprio Malley já havia insinuado, há quase dois meses, que a retomada do negócio não era mais uma prioridade; uma nova tentativa de revolução colorida era o novo jogo da cidade.
Daí o Jogo da Culpa de Teerã atingindo o auge novamente: eles estão matando manifestantes nas ruas, estão alimentando armas para a Rússia na Ucrânia e querem construir uma bomba nuclear.
Pelo menos agora está aberto: a única coisa que importa para a inteligência dos EUA - e para o MICIMATT - é facilitar os ataques à segurança iraniana por seus ativos curdos e balúchis e subornar o maior número possível de "manifestantes" (leia-se manifestantes). para ir Full-Color Revolution.
O império sem acordos
Todos que analisam a Ásia Ocidental com um QI acima da temperatura ambiente sabem que o “programa de armas nucleares” do Irã é uma farsa gigantesca – uma campanha de propaganda massiva desenvolvida por décadas pelos suspeitos de sempre.
O que realmente importa para Teerã é aumentar suas capacidades nucleares civis. E é isso que já está acontecendo.
A capacidade iraniana de enriquecimento de urânio é agora duas vezes maior do que o volume total produzido desde o início de sua indústria nuclear. A Organização de Energia Atômica do Irã (AEOI) acaba de anunciar que está enriquecendo urânio a uma taxa histórica de 60%, usando novas centrífugas avançadas – e não vai esperar pela retomada das negociações em Viena.
A liderança em Teerã compreendeu totalmente que o futuro está na Eurásia – desde ingressar totalmente na SCO até se tornar membro do BRICS+, talvez já no próximo ano. Parcerias estratégicas interligadas com os membros do BRICS Rússia, China e Índia estão em andamento.
O Irã está envolvido no movimento em direção à multipolaridade em todo o espectro. O exemplo mais recente é o segundo maior banco da Rússia, o VTB – sancionado pelo coletivo ocidental – lançando um novo serviço de transferência de dinheiro para indivíduos e empresas iranianas, contornando o dólar americano.
Ninguém vai perder o JCPOA. O que importa de fato nesta longa saga é a valiosa lição aprendida por todo o Sul Global: agora está claramente claro que o decadente Império é capaz de não concordar e uma entidade eminentemente não confiável.
A União Europeia, sem qualquer surpresa, deu passos inconscientes e decisivos: a partir de agora não são necessárias previsões nem especulações, a guerra iniciada em 2014 pelo regime nazi da Ucrânia contra as populações da região do Donbass atingiu envergadura mundial. No terreno não se opõem já a NATO e a Rússia – a Ucrânia é somente o campo de batalha original – porque a União Europeia, enquanto tal, decidiu envolver-se directamente e também provocar o Irão, estendendo o conflito para o Médio Oriente. O movimento cria um cenário propício a novos ajustamentos e perspectivas por parte de alianças político-militares assumidas ou não assumidas através de toda a Eurásia. Agravam-se antagonismos até agora sublimados e que não pouparão continentes.
Os membros dos actuais governos europeus, quando a história lhes fizer justiça, ficarão anotados como seres transtornados perigosos e sem coluna vertebral que aceitaram jogar com a vida de dezenas de milhões de pessoas, incluindo os seus próprios cidadãos. E o executivo da República Portuguesa fez até questão de não ser discreto nas provocações dirigidas contra inimigos criados artificialmente numa guerra com a qual os portugueses nada têm a ver.
«A unidade europeia manifesta-se apenas quando se trata de atacar salários, de impôr uma austeridade cada vez mais institucionalizada e de amputar direitos sociais, políticos e humanos elementares. A guerra, como agora se demonstra, é a plataforma onde é mais fácil congregar as vontades e interesses dos dirigentes europeus – na verdade, dos seus mandantes – transformando-os numa ameaça potencialmente letal para os cidadãos»
Os governos europeus, na sua ânsia de cumprirem as ordens de serviço que lhes são enviadas de Washington e de tentarem igualmente salvar o decadente Biden de uma hecatombe eleitoral em 8 de Novembro, decidiram impor sanções ao Irão por vender drones à Rússia; e também investir mais umas centenas de milhões de euros para treinar, em solo da União Europeia, pelo menos 15 mil soldados ucranianos. Esta medida, como respondeu de pronto a porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, transforma a UE em «parte do conflito», tendo de assumir, por isso, as correspondentes consequências.
As portas escancararam-se à generalização continental da guerra. E como é absolutamente notória e dramática a falta de bom senso nos dois lados do conflito, os cidadãos europeus deverão consciencializar-se de que o mundo mudou, não há caminho de regresso às situações existentes no período pré-covid e são ínfimas as possibilidades de passarmos pelo que aí vem de uma maneira benigna.
A União Europeia só é «união» no nome. Sabemos que a famosa «unidade» proclamada por Bruxelas é um mito quando estão em causa as vidas dos mais de 500 milhões de cidadãos dos 27. Não houve unidade quando se tratou de combater a covid, o desconcerto é total para enfrentar o caos energético que as sanções com efeito de boomerang impostas à Rússia estão a gerar – e ainda a procissão vai no adro – a convergência entre os Estados membros quando se trata de frustrar seriamente os ataques ao ambiente e combater as alterações climáticas é uma ridícula história da carochinha.
A unidade europeia manifesta-se apenas quando se trata de atacar salários, de impôr uma austeridade cada vez mais institucionalizada e de amputar direitos sociais, políticos e humanos elementares. A guerra, como agora se demonstra, é a plataforma onde é mais fácil congregar as vontades e interesses dos dirigentes europeus – na verdade, dos seus mandantes – transformando-os numa ameaça potencialmente letal para os cidadãos.
A criação e desenvolvimento de um esterco infecto, o tendencialmente totalitário aparelho de propaganda substituindo o espaço da informação e entretenimento, é o complemento de uma estratégia belicista que necessita de uma lavagem cerebral colectiva e da robotização das pessoas para fazer funcionar um sistema perverso contra a natureza humana.
Os espantosos lucros que têm vindo a ser registados por grandes empresas e grupos económicos actuando a montante e jusante da indústria e do exercício da guerra, receitas criminosas essas que sugam os cidadãos e famílias das suas capacidades de sobrevivência decente, explicam muitas das razões motivadoras da generalização do conflito armado, mas não abrangem o panorama completo.
Como se tem dito, há um confronto existencial entre duas formas opostas de encarar a ordem internacional – unipolar, a existente, e multipolar, a nascente – que chegou a uma fase de guerra da qual nenhuma das partes admite recuar.
A União Europeia, ao imiscuir-se directamente no conflito onde tem participado sob o chapéu da NATO, assumiu sem disfarces a sua vertente colonial/imperial da unipolaridade e tornou-se um alvo declarado, pondo em risco a vida de centenas de milhões de pessoas para que uma ínfima minoria delas possa continuar a beneficiar da extorsão criminosa do resto do mundo. Em nome da «civilização ocidental», superior a todas as outras por desígnio de um nunca desentranhado espírito de cruzada para universalizar os «valores cristãos».
«A União Europeia, ao imiscuir-se directamente no conflito onde tem participado sob o chapéu da NATO, assumiu sem disfarces a sua vertente colonial/imperial da unipolaridade e tornou-se um alvo declarado, pondo em risco a vida de centenas de milhões de pessoas para que uma ínfima minoria delas possa continuar a beneficiar da extorsão criminosa do resto do mundo»
O inimitável Josep Borrell, «ministro dos negócios estrangeiros» da UE servido por uma alma de criminoso de guerra, expôs em Bruges aos futuros eurocratas, numa simples e inspirada frase, a maneira como as cliques europeias encaram o planeta: a União Europeia «é um jardim, o resto do mundo é uma selva» e existe o risco de «a selva poder invadir o jardim».
Tudo fica explicado. Daí que o tornarem-se parte activa de uma guerra para salvar o «jardim» e conter a «selva», generalizando as provocações apesar do risco de ampliar a envergadura do confronto, seja um passo natural que os governos da UE e toda a camada desumanizada da eurocracia acabam de dar.
De que maneira as decisões mais recentes dos governos da União Europeia contribuem para alargar substancialmente a área potencial de conflito?
A disponibilidade para treinar, em solo de Estados da União, pelo menos 15 mil efectivos das forças militares ucranianas transformou a União Europeia «num alvo», declarou a porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros. Quer isso dizer que o recurso directo ou indirecto da Ucrânia a armas e condições operacionais proporcionadas por países da NATO e/ou União Europeia significam a entrada destes em confronto militar com a Rússia. Sobretudo se o regime nazi de Kiev insistir, como tem vindo a fazer, com frequência crescente, em atacar territórios russos.
A área real do conflito estende-se assim dos cabos atlânticos da Península Ibérica aos confins orientais de Vladivostoque, com o Japão à vista, e o comportamento da União Europeia fica sujeito, para já, a eventuais atitudes russas que agravem ainda mais as consequências económicas e energéticas de que o Ocidente sofre presentemente. A realidade tem demonstrando que a Europa necessita mais da Rússia do que a Rússia do resto da Europa e a situação está longe de atingir os limites mais dramáticos – a Alemanha já começou a perceber do que se trata.
«A decisão governamental de oferecer à Ucrânia, com objectivos militares, os helicópteros Kamov que Moscovo cedera com fins civis e humanitários, os combates aos incêndios, extravasa a perversão ética assumida por Costa e sua equipa (nada de estranhar) e cai na violação dos acordos contratuais com a parte russa»
A hipotética decisão da Rússia de transformar a «operação militar especial» em declaração de guerra à Ucrânia tornará inevitável que todos os países envolvidos no conflito ao lado dos nazis de Kiev – para além dos mercenários de muitas nacionalidades da NATO e UE que já combatem integrados nas forças ucranianas – sejam parte da mesma guerra. Sem esquecer que as principais ofensivas conduzidas pelas forças militares ucranianas são comandadas por operacionais da NATO e guiadas por sistemas tecnológicos de última geração facultados pela aliança e seus ramos privados, como a empresa espacial de Elon Musk.
A situação é válida, infelizmente até por algumas atitudes específicas, para o caso de Portugal. O governo português teve pressa em confirmar que está disponível para integrar a operação de treino dos soldados ucranianos. Mas não é apenas por isso que se destaca na postura inamistosa em relação à Rússia, que de maneira nenhuma atacou interesses do país e os cidadãos nacionais. Os 250 milhões de dinheiro dos portugueses oferecidos abusivamente – abuso de confiança – por António Costa ao filonazi Zelensky e os 14 tanques enviados para as suas tropas são passos que marcam um comportamento governamental indigno, que ofende e renega a Constituição da República, a democracia portuguesa e a sua génese em 25 de Abril de 1974.
A decisão governamental de oferecer à Ucrânia, com objectivos militares, os helicópteros Kamov que Moscovo cedera com fins civis e humanitários, os combates aos incêndios, extravasa a perversão ética assumida por Costa e sua equipa (nada de estranhar) e cai na violação dos acordos contratuais com a parte russa.
Lisboa, desafiando heroicamente o urso russo, insiste na decisão. Tem lógica: Portugal não é o país onde o governo viola a Constituição para se envolver em guerras enquanto as entidades de fiscalização da constitucionalidade estão mudas e quedas? O povo sofre, e possivelmente sofrerá ainda muito mais as consequências deste ultraje; mas que os centros nacionais de decisão não querem saber das pessoas para nada, além de as usar e deitar fora, já nós sabemos há muito.
«Diz ele [Borrell] que, ao contrário do que alega o senso comum, existem realmente dois pesos e duas medidas na arena internacional: os nossos interesses são para respeitar, os dos outros não. Nada mais do que a diferença entre o “jardim” colonial e imperial e a “selva” onde o colonialismo e o imperialismo se saciam. Pelo que a União Europeia pode abastecer impunemente Kiev para continuar a guerra, mas o Irão não pode vender armas à Rússia»
Depois há a decisão da União Europeia de impor ainda mais sanções contra o Irão por ter vendido à Rússia drones para fins militares. Há uma enorme efabulação propagandística em torno desta matéria, mas o mais significativo da situação é o facto de a entidade que pune Teerão por vender armas a Moscovo ser a mesma cujos países oferecem, alugam e vendem armas a Kiev.
É oportuno citar novamente o socialista Borrell, inesgotável fonte de esclarecimentos sobre o verdadeiro «espírito europeu». Diz ele que, ao contrário do que alega o senso comum, existem realmente dois pesos e duas medidas na arena internacional: os nossos interesses são para respeitar, os dos outros não. Nada mais do que a diferença entre o «jardim» colonial e imperial e a «selva» onde o colonialismo e o imperialismo se saciam. Pelo que a União Europeia pode abastecer impunemente Kiev para continuar a guerra, mas o Irão não pode vender armas à Rússia. É, como sempre, a «ordem internacional baseada em regras». A imposição de sanções só pode processar-se no âmbito de decisões da ONU e por aqui se vê como a União Europeia viola ostensivamente, com todo o despudor, o direito internacional. Ou os «nossos valores partilhados» em acção de maneira exemplar.
A decisão dos governos da União integra de facto o Irão na guerra e vai acicatar Israel não só a fornecer ainda mais armamento letal à Ucrânia mas também a aguçar as garras do regime de apartheid de Telavive no sentido do tão desejado ataque atlantista-sionista contra Teerão. A desestabilização «colorida» em território iraniano é permanente; Síria, Líbano, Iraque, Líbia e todas as guerras por resolver no Médio Oriente poderão ter novos e imprevisíveis desenvolvimentos, regurgitando também a miríade de grupos terroristas «islâmicos» subordinados à NATO, aliás muito bem relacionados com as organizações nazis que governam Kiev.
O Irão é parte do principal núcleo da multipolaridade soberana em construção, a par da Rússia e da China. É improvável que cada um de nós faça ideia das consequências que podem resultar de uma conjuntura tão sensível que envolve agora o Médio Oriente e toda a Eurásia, a «ilha do mundo», onde se cruzam espaços de influência, alianças, organizações transnacionais em actividade ou em construção e zonas de conspiração e interesses geoestratégicos e económicos alimentados pelas principais potências mundiais.
«Enquanto isso, parece cada vez mais desbravada de obstáculos a via para o recurso às armas nucleares. Quando em Washington e Moscovo se considera anacrónico e ultrapassado o conceito segundo o qual o uso de tais armas de extermínio provocaria a “destruição mutuamente assegurada” cruzou-se uma fatídica linha vermelha»
A situação chegou a um ponto em que cada acção de uma das partes, neste contexto ainda mais generalizado, terá resposta da outra, na Ucrânia e não só, como vamos percebendo, designadamente pelo comportamento insano da União Europeia – que se sujeita a fazer a parte mais suja da missão terrorista dos Estados Unidos. Temos como certo, até agora, que nenhum dos lados está disposto a ceder ou mesmo a estabelecer contactos para reduzir a tensão com o objectivo de travar o caminho para o abismo - a que chamarão «vitória». Enquanto isso, parece cada vez mais desbravada de obstáculos a via para o recurso às armas nucleares. Quando em Washington e Moscovo se considera anacrónico e ultrapassado o conceito segundo o qual o uso de tais armas de extermínio provocaria a «destruição mutuamente assegurada» cruzou-se uma fatídica linha vermelha. Nas mentes destes seres alienados por pulsões sociopatas entranhou-se já a ideia de que o uso de bombas nucleares é admissível e terá consequências limitadas e controláveis. O princípio do fim.
Não sabemos o que aí vem, quando e como vem. Entretanto uns continuam alegremente consumindo intrujices da propaganda e pílulas de estupidificação; outros nem querem saber, ainda que tenham umas luzes da gravidade da situação. Mas quem não desiste de lutar pela paz e pela sobrevivência da humanidade, que lute.
Mesmo sendo governados por pervertidos que escancaram as portas de mais uma guerra com envergadura mundial. Potencialmente definitiva.
Tudo o que importa no complexo processo de integração da Eurásia estava mais uma vez em jogo em Astana, pois a – renomeada – capital do Cazaquistão sediou a 6ª Conferência sobre Interação e Medidas de Fortalecimento da Confiança na Ásia (CICA) .
A chamada foi uma beleza euro-asiática – apresentando os líderes da Rússia e Bielorrússia (EAEU), Ásia Ocidental (Azerbaijão, Turquia, Iraque, Irã, Catar, Palestina) e Ásia Central (Tajiquistão, Uzbequistão, Quirguistão).
China e Vietnã (leste e sudeste da Ásia) participaram no nível de vice-presidentes.
O CICA é um fórum multinacional focado na cooperação para a paz, segurança e estabilidade em toda a Ásia. O presidente do Cazaquistão Tokayev revelou que o CICA acaba de adotar uma declaração para transformar o fórum em uma organização internacional.
A CICA já estabeleceu uma parceria com a Eurasia Economic Union (EAEU). Então, na prática, em breve estará trabalhando lado a lado com a SCO, a EAEU e certamente o BRICS+.
A parceria estratégica Rússia-Irã foi destaque na CICA, especialmente depois que o Irã foi recebido na SCO como membro pleno.
O presidente Raeisi, dirigindo-se ao fórum, destacou a noção crucial de uma “nova Ásia” emergente, onde “convergência e segurança” não são “compatíveis com os interesses dos países hegemônicos e qualquer tentativa de desestabilizar nações independentes tem objetivos e consequências além das geografias nacionais, e, de fato, visa a estabilidade e a prosperidade dos países regionais”.
Para Teerã, ser parceiro na integração do CICA, dentro de um labirinto de instituições pan-asiáticas, é essencial depois de todas essas décadas de “pressão máxima” desencadeada pelo Hegemon.
Além disso, abre uma oportunidade, como observou Raeisi, para o Irã lucrar com a “infraestrutura econômica da Ásia”.
O presidente russo Vladimir Putin, previsivelmente, foi a estrela do show em Astana. É essencial notar que Putin é apoiado por “todas” as nações representadas na CICA.
Bilaterais de alto nível com Putin incluíam o Emir do Catar: todos que importam na Ásia Ocidental querem conversar com a Rússia “isolada”.
Putin pediu “compensação pelos danos causados aos afegãos durante os anos de ocupação” (todos sabemos que o Império do Caos, Mentiras e Pilhagem a recusará) e enfatizou o papel fundamental da SCO no desenvolvimento do Afeganistão.
Ele afirmou que a Ásia, “onde novos centros de poder estão se fortalecendo, desempenha um grande papel na transição para uma ordem mundial multipolar”.
Ele alertou que “há uma ameaça real de fome e choques em larga escala contra o pano de fundo da volatilidade dos preços da energia e dos alimentos no mundo”.
Ele ainda pediu o fim de um sistema financeiro que beneficie os “bilhão de ouro” – que “vivem às custas dos outros” (não há nada de “ouro” nesse “bilhão”: na melhor das hipóteses, essa definição de riqueza se aplica a 10 milhões).
E ressaltou que a Rússia está fazendo de tudo para “formar um sistema de segurança igual e indivisível”. Exatamente o que leva as elites imperiais hegemônicas completamente frenéticas.
“Oferta que você não pode recusar” morde a poeira
A justaposição iminente entre a CICA e a SCO e a EAEU é mais um exemplo de como as peças do complexo quebra-cabeça da Eurásia estão se juntando.
A Turquia e a Arábia Saudita – em teoria, aliados militares imperiais fiéis – estão ansiosos para se juntar à SCO, que recentemente deu as boas-vindas ao Irã como membro pleno.
Isso explica a escolha geopolítica de Ancara e Riad de evitar à força a ofensiva imperial russofobia com sinofobia.
Erdogan, como observador na recente cúpula da SCO em Samarcanda, enviou exatamente esta mensagem. A SCO está chegando rapidamente ao ponto em que podemos ter, sentados à mesma mesa, e tomando importantes decisões consensuais, não apenas os “RICs” (Rússia, Índia, China) nos BRICS (em breve expandidos para BRICS+), mas sem dúvida os melhores jogadores em países muçulmanos: Irã, Paquistão, Turquia, Arábia Saudita, Egito e Catar.
Este processo em evolução, não sem seus sérios desafios, testemunha o esforço conjunto Rússia-China para incorporar as terras do Islã como parceiros estratégicos essenciais na construção do mundo multipolar pós-ocidental. Chame isso de uma islamização suave da multipolaridade.
Não admira que o eixo anglo-americano esteja absolutamente petrificado.
Agora corte para uma ilustração gráfica de todos os itens acima – a forma como está sendo jogado nos mercados de energia: a já lendária reunião da Opep+ em Viena há uma semana.
Uma mudança geopolítica tectônica foi embutida na decisão – coletiva – de reduzir a produção de petróleo em 2 milhões de barris por dia.
O Ministério das Relações Exteriores saudita emitiu uma nota muito diplomática com uma informação impressionante para aqueles que estão preparados para ler nas entrelinhas.
Para todos os efeitos práticos, a combinação por trás do leitor de teleprompter em Washington havia emitido uma ameaça registrada da Máfia de interromper a “proteção” a Riad se a decisão sobre os cortes de petróleo fosse tomada antes das eleições de meio de mandato dos EUA.
Só que desta vez a “oferta que você não pode recusar” não mordeu. A OPEP+ tomou uma decisão coletiva, liderada pela Rússia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Depois de Putin e MBS se dar bem, coube a Putin receber o presidente dos Emirados Árabes Unidos, Sheikh Zayed – ou MBZ, o mentor de MBS – no impressionante Palácio Konstantinovsky em São Petersburgo, que remonta a Pedro, o Grande.
Foi uma espécie de celebração informal de como a Opep+ provocou, com um único movimento, um desastre estratégico de superpotência no que diz respeito à geopolítica do petróleo, que o Império controlava há um século.
Todos se lembram, após o bombardeio, invasão e ocupação do Iraque em 2003, como os neoconservadores americanos se gabavam: “nós somos a nova OPEP”.
Bem, não mais. E a medida teve que partir dos “aliados” russos e norte-americanos do Golfo Pérsico, quando todos esperavam que isso acontecesse no dia em que uma delegação chinesa desembarcar em Riad e pedir o pagamento de toda a energia necessária em yuan.
A OPEP+ chamou o blefe americano e deixou a superpotência alta e seca. Então, o que eles vão fazer para “punir” Riad e Abu Dhabi? Chamar o CENTCOM no Catar e no Bahrein para mobilizar seus porta-aviões e desencadear a mudança de regime?
O que é certo é que os psicopatas straussianos/neoconservadores no comando em Washington vão dobrar a aposta na guerra híbrida.
A arte de “espalhar a instabilidade”
Em São Petersburgo, ao se dirigir à MBZ, Putin deixou claro que é a OPEP + – liderada pela Rússia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos – que agora está definindo o ritmo para “estabilizar os mercados globais de energia” para que consumidores e fornecedores “se sintam calmos, estável e confiante” e oferta e demanda “seriam equilibradas”.
Na frente do gás, na Semana da Energia Russa, o CEO da Gazprom, Alexey Miller, deixou claro que a Rússia ainda pode “salvar” a Europa de um buraco negro de energia.
Nord Stream (NS) e Nord Stream 2 (NS2) podem se tornar operacionais: mas todos os obstáculos políticos devem ser removidos antes que qualquer trabalho de reparo nas tubulações comece.
E na Ásia Ocidental, Miller disse que adições ao Turk Stream já foram planejadas, para o deleite de Ancara, ansiosa para se tornar um importante centro de energia.
Em uma trilha paralela, é absolutamente claro que a aposta desesperada do G7 de impor um teto para o preço do petróleo – que se traduz como o armamento de sanções estendidas ao mercado global de energia – é uma proposta perdida.
Pouco mais de um mês antes de sediar o G20 em Bali, o ministro das Finanças da Indonésia, Sri Mulyani Indrawati, não pôde deixar mais claro: “Quando os Estados Unidos estão impondo sanções usando instrumentos econômicos, isso cria um precedente para tudo”, espalhando instabilidade “não apenas para a Indonésia mas para todos os outros países.”
Enquanto isso, todos os países de maioria muçulmana estão prestando muita atenção à Rússia. A parceria estratégica Rússia-Irã está agora avançando paralelamente à entente Rússia-Saudita-EAU como vetores cruciais da multipolaridade.
Em um futuro próximo, todos esses vetores devem se unir no que idealmente deveria ser uma supra-organização capaz de gerenciar a história principal do século 21: a integração da Eurásia.
As reviravoltas da saga Nord Stream 2 (NS2) renderam mais uma virada de jogo impressionante.
Tudo começou com a Gazprom revelando que a linha B do NS2 está intacta; não apenas escapou do Pipeline Terror, mas pode “potencialmente” ser usado para bombear gás para a Alemanha.
Isso confirma mais uma vez que o NS2 é uma maravilha da engenharia. Na verdade, todo o sistema: os canos são tão fortes que não foram quebrados, mas apenas perfurados.
O vice-primeiro-ministro russo, Aleksandr Novak, fez o acompanhamento, com uma ressalva: a restauração de todo o sistema, incluindo o NS, é possível e “requer tempo e fundos apropriados”. Mas primeiro, na ordem de prioridades da Rússia, os perpetradores devem ser identificados de forma conclusiva.
Fontes em Moscou confirmaram a avaliação da Gazprom do NS2. Até a Bloomberg teve que denunciá-lo.
Posteriormente, em Viena, participando da reunião da Opep+, Novak observou que a Federação Russa está “pronta para fornecer gás através da segunda linha do Nord Stream 2. Isso é possível, se necessário”.
Então sabemos que é possível. “Necessário” dependerá de uma decisão política da Alemanha.
Novak também observou que nem a Rússia nem os operadores do Nord Stream estão autorizados a investigar o Pipeline Terror. A Rússia insiste que sem sua participação a investigação é falha.
Qualquer que fosse o modus operandi do Pipeline Terror, a incompetência fazia parte do pacote. Nenhuma carga explosiva foi colocada ou detonada na Linha B do NS2.
Isso significa que, como disse Novak, está praticamente pronto para os negócios. A linha B tem capacidade para bombear 27,5 bilhões de metros cúbicos de gás por ano, o que corresponde a metade da capacidade total de NS.
A capacidade do NS havia sido reduzida para 20%, devido à saga interminável das turbinas, antes de ser completamente desativada. Fundamentalmente, a Linha B do NS2 ainda bombearia 2,75 vezes a capacidade do recém-inaugurado Baltic Pipe da Noruega para a Polônia via Dinamarca. O que basicamente lucra com a Polônia, ao contrário do NS2 atendendo vários clientes da UE.
A OTAN investiga a OTAN
Num mundo racional, Berlim acabaria com as sanções russas acumuladas e ordenaria imediatamente o início do sempre adiado NS2, garantido pelo menos para atenuar o processo em curso de desenergização, desindustrialização e profunda crise socioeconômica imposta pelo habitual suspeitos na Alemanha.
Mas o Ocidente coletivo continua escravizado por psicopatas geopolíticos guiados pela irracionalidade. Então não é provável que isso aconteça.
Para começar, a “investigação” de como o Pipeline Terror aconteceu parece Kafka reescrito pela OTAN.
Os operadores de NS e NS2 – Nord Stream AG e Nord Stream 2 AG, com sede na Suíça – não podem chegar ao local do crime por causa das restrições absurdas impostas pelos dinamarqueses e suecos. Os operadores precisam de, no mínimo, 20 dias úteis para obter as “autorizações” para realizar suas próprias inspeções.
A polícia de Copenhague está lidando com a cena do crime perto da zona econômica exclusiva dinamarquesa (ZEE), em paralelo com a Guarda Costeira sueca em torno da ZEE sueca.
Se isso parece uma daquelas séries noir escandinavas populares na Netflix, é porque é. Com uma reviravolta crucial: é a OTAN investigando a si mesma – a Suécia está prestes a entrar na OTAN – sem a permissão de russos. Todas as principais hipóteses de trabalho sobre o Pipeline Terror apontam para uma operação suja intra-OTAN contra a Alemanha, membro da OTAN.
Assim, qualquer evidência perturbadora que aponte para os atores da OTAN pode convenientemente “desaparecer” ou ser adulterada durante esses longos 20 dias necessários para que as “autorizações” sejam emitidas.
Enquanto isso, as consequências da guerra energética imposta pelos EUA à Europa contra a Rússia continuarão se acumulando e custarão à UE até 1,6 trilhão de euros, de acordo com um relatório da Yakov & Partners, a antiga divisão da McKinsey na Rússia.
Considerando uma UE sem NS2 mais os preços da energia em constante aumento no mercado spot, o PIB da UE pode diminuir em até 11,5% (1,7 trilhão de euros), com cerca de 16 milhões de pessoas jogadas no desemprego.
O armazenamento de gás da UE nos níveis elevados atuais (90%) não significa ter gás suficiente para o inverno. O armazenamento total de gás equivale a cerca de 90 dias de demanda. A UE pode facilmente ficar sem gás em março ou até mais cedo no ritmo atual de apenas um fio de gás fluindo.
Isso significa que a UE terá que reduzir o consumo de gás em pelo menos 20% no total. E nunca esqueça que o gás importado norueguês ou americano é ridiculamente mais caro do que o gás russo de contrato fixo.
O Retorno do Plano Morgenthau
A demência de sanções nunca para. O G7, em três etapas subsequentes, terá como alvo petróleo, diesel e nafta russos, segundo o Tesouro dos EUA. Eles ainda insistem em um teto para o preço do petróleo - que nem a Rússia nem vários clientes do Sul Global seguirão.
O Big Picture permanece o mesmo. O Pipeline Terror foi uma jogada desesperada para impedir que a Alemanha concluísse um corte de sanções para os Nord Streams com a Rússia.
Um canal secreto de negociação estava em vigor. É esclarecedor considerar que todas as ações anteriores de Berlim e Moscou, atrasando e restringindo o fluxo de gás, foram realizadas para impedir que o Império cumprisse sua ameaça de encerrar o NS2.
Então o Império fez o seu movimento.
Do ponto de vista de Moscou, isso não muda nada no Grande Tabuleiro de Xadrez. O Kremlin manipulou o desespero absoluto de Washington ao se recusar a admitir o maior desastre de política externa desde o Vietnã; enquanto isso, os russos continuam perseguindo os objetivos da Operação Militar Especial (SMO), que está prestes a se transformar em uma Operação Contra-Terrorista (CTO).
Tal como está, Moscou não é afetada pelas crises interconectadas de energia, combustível e recursos, juntamente com imensas interrupções na cadeia de suprimentos em todo o mundo.
Os russos são espectadores essencialmente perplexos contemplando a desaceleração da produção industrial na zona do euro, juntamente com as saídas de capital, o aumento da inflação e os protestos sociais prestes a explodir.
Há uma janela perigosa para ações imperiais irracionais de agora até o G20 no próximo mês em Bali. Depois, teremos um jogo de bola completamente diferente, não apenas nos campos de batalha ucranianos, mas principalmente em uma UE atolada em perigo.
O Plano Morgenthau após a Segunda Guerra Mundial foi inventado para literalmente matar a Alemanha de fome através da destruição das minas de carvão do Ruhr. É surpreendentemente semelhante ao plano straussiano dos psicopatas neoconservadores americanos de cortar a Alemanha do gás natural russo bombardeando NS e NS2.
O primeiro Plano Morgenthau teria levado à desindustrialização da Alemanha. De acordo com a cláusula 3, todo o Ruhr "deveria não apenas ser despojado de todas as indústrias existentes, mas tão enfraquecido e controlado que não pode, no futuro próximo, tornar-se uma área industrial".
O fim da Alemanha como um estado industrial teria criado um desemprego maciço e permanente que afetaria 30 milhões de pessoas, de acordo com Henry Stimson, secretário de Guerra dos EUA. A resposta de Morgenthau foi que a população excedente poderia ser despejada no norte da África.
A inteligência dos EUA estava muito ciente da reaproximação entre Berlim e Moscou. Atingir NS e NS2 foi a jogada de assinatura do Plano Morgenthau remixado pelo combo Straussian/neocon.
No entanto, não acabou até que a senhora wagneriana cante. Não há necessidade de Gotterdammerung: a Alemanha pode ter seu próprio destino em suas mãos, afinal. Basta ligar o interruptor no NS2.
Pepe Escobar é um veterano jornalista, autor e analista geopolítico independente focado na Eurásia.
25 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.